Boas razões para defender os seres sencientes

Más razões para justificar sua desconsideração ou consideração menor

Julio Cesar Prava
4 min readOct 30, 2023

As boas razões que usamos para defendermos os seres humanos são as mesmas boas razões para defendermos os qualquer ser senciente. Já as más razões que defendemos os humanos não são sequer razoáveis.

As boas razões podem ser agrupadas pelos seguintes princípios: Imparcialidade, Universalidade, Igual consideração e Relevância. As más razões são aquelas que fazem apelos à tradição, à especialidades ou que tenham critérios irrelevantes em relação a prejudicar ou beneficiar qualquer indivíduo.

As boas razões

Princípio da imparcialidade

É preciso ter a ausência de viés ou favoritismo na tomada de decisões ou no tratamento dos outros indivíduos. As decisões devem ser tomadas de maneira imparcial e não tendenciosa. Isso revela que não devemos levar em consideração características como raça, sexo, gênero, orientação sexual, religião, classe social, capacidades cognitivas, espécie, entre outras. A imparcialidade é frequentemente associada à justiça, equidade e ao respeito pelos individuos.

Princípio da universalidade

É preciso fazer a aplicação consistente e igualitária de regras, normas ou princípios para todos, independentemente de suas características ou circunstâncias individuais. Seja lá qual meta você escolher, ela precisa ser aplicada em todos os casos semelhantes, sem exceções ou discriminações.

Princípio da igual consideração

O princípio da igual consideração afirma que todos os interesses semelhantes das partes envolvidas devem ser considerados de maneira semelhante, independentemente de quem seja o indivíduo ou o grupo afetado. Em outras palavras, ele defende que todos os interesses merecem igual atenção e consideração ao tomar decisões éticas, morais ou políticas. Isso implica que não se deve dar preferência ou tratamento especial a determinados indivíduos com base em critérios arbitrários, como raça, gênero, classe social, espécie, etc. Em resumo, o princípio da igual consideração enfatiza a importância de tratar todos os interesses iguais de forma igual e considerar imparcialmente as consequências de ações e decisões em termos do bem-estar e dos interesses de todas as partes envolvidas.

Princípio da relevância

O que é relevante para consideração moral é se um ser pode ser prejudicado ou beneficiado, se pode sofrer ou desfrutar. Seres que têm a capacidade de sofrer e sentir dor são considerados moralmente relevantes, e suas experiências positivas e negativas devem ser levadas em consideração ao tomar decisões éticas. Causar sofrimento ou morte a esses seres é considerado moralmente problemático e minimizar ou evitar o sofrimento é uma prioridade ética. Todos os seres sencientes, que mostra que eles são alguém e não algo, têm um valor intrínseco e devem ser tratados com respeito e consideração, independentemente de sua espécie. Esse princípio destaca a importância de considerar os interesses e o bem-estar de todos seres sencientes, ou seja, aqueles que podem sentir dor ou prazer.

Todos outros bons princípios que podemos formular são derivados destes quatro apresentados acima. Por exemplo, respeito pela individualidade, princípio da não-agressão, não causar sofrimento desnecessário, princípio da igualdade, equidade e justiça, princípio da proporcionalidade, defesa de direitos fundamentais, etc.

Esses princípios éticos têm implicações em áreas como tratamento de animais, questões ambientais e práticas de consumo, sendo todos eles subordinados à senciência e não à outros critérios de demarcação de consideração moral.

As más razões

Há várias más razões usadas para dar relevância moral, elas sempre partem de viéses e incorrem em falácias lógicas (como apelo à natureza, apelo à tradição, apelo à ignorância, petição de princípio, etc). Alguns exemplos são: autointeresse (egoísmo), tribalismo, tradição, cultura, hábito, crença religiosa, configurações genéticas e características físicas (para além da senciência), pertencimento à um grupo ou espécie específica (para além da senciência), ser mais ou menos inteligente ou racional (para além da senciência), capacidades intelectuais, entre outras.

A partir dessas crenças que geralmente se dá o especismo, que é a crença de que os seres humanos são superiores às outras espécies e, portanto, têm o direito de usar e explorar outras formas de vida sem considerar seu bem-estar, o que é uma discriminação que permite que os interesses dos seres humanos são mais importantes, mesmo que isso implique na exploração ou sofrimento de outras espécies com interesses semelhantes.

Defender seres humanos com base em suas configurações genéticas ou características físicas, como raça, gênero, idade, ou outras características, é discriminatório e injusto. Essas características não determinam o valor moral de um ser. Indo além, a espécie a que alguém pertence não deve ser o único critério para determinar seu valor moral ou os direitos que merece.

Além disso, defender seres humanos com base em sua inteligência pressupõe que a inteligência é o único critério relevante para avaliar o valor moral. Isso é discriminatório em relação a seres menos inteligentes, incluindo muitos animais não humanos, que podem ser capazes de sofrer e sentir prazer, mas podem não ser tão inteligentes quanto os seres humanos.

Qualquer defesa que tome como base uma característica que não a capacidade de ser beneficiado ou prejudicado pode ser contestada e incorrerá em uma falácia lógica. Muitos dessas defesas partem de viéses cognitivos, que postos a luz da razão, não se sustentam.

Outro ponto importante é: as diferenças entre diferentes indivíduos servem para justificar méritos, não para justificar que possam ser prejudicados e beneficiados em relação às suas características fundamentais (de sofrer e desfrutar), por exemplo, um animal não-humano não pode ter mérito em obter uma carteira de motorista, ter direito ao voto ou se tornar professor, mas isso não tem nada a ver com que possamos ou não causar sofrimento desnecessário e morte neles, haja visto que seria uma discriminação injusta. Precisamos tratar os animais de outras espécies de forma semelhante naquilo que são semelhantes, fundamentalmente isso envolve não causar à eles sofrimento nem morte e ajudá-los para que não sofram nem morram, assim como faríamos com qualquer humano.

--

--