Porque eu sou consequencialista

Regras e virtudes são ruins quando dissociadas das melhores consequências

Julio Cesar Prava
5 min readMay 16, 2024

Diferentes escolas filosóficas possuem abordagens e perspectivas distintas na ética, sendo as principais o consequencialismo, a deontologia e a ética das virtudes, cada qual com diversas teorias.

A ética consequencialista ou consequencialismo, contempla um grupo de teorias éticas que sustentam que a moralidade de uma escolha deve ser julgada prioritariamente por suas consequências. De acordo com esta perspectiva, uma ação é moralmente boa se produzir consequências positivas, e ruim se produzir consequências negativas.

A ética deontológica ou deontologia, é um grupo de teorias éticas onde as regras morais são baseadas em princípios universais e absolutos, como o imperativo categórico de Kant, que afirma que devemos agir de acordo com uma máxima que possa se tornar uma lei universal. Neste contexto, as consequências não determinam a moralidade da ação, mas sim a intenção e a razão por trás da ação.

Já a ética das virtudes ou virtudismo, agrega um grupo de teorias éticas onde o foco está no caráter e nas virtudes morais — como a coragem, a justiça e a temperança. A ideia central é que uma pessoa virtuosa agirá de acordo com essas virtudes, independentemente das consequências imediatas.

Há uma diferença fundamental entre as teorias éticas consequencialistas, deontológicas e virtudistas, cada qual com uma perspectiva fundamental diferente, podemos dizer também ponto focal ou prioridade.

Como vimos, os consequencialistas procuram agir para atingir as melhores consequências, geralmente medindo experiências como dor e prazer, que mostram quem pode ser afetados pelas escolhas. Eles têm as consequências como o principal fator determinante da moralidade de uma escolha. Os deontologistas procuram agir para cumprir com determinadas regras, independentemente se elas causam as melhores consequências. Já os virtudistas procuram mapear as melhores virtudes e traços de caráter, então seu ideal é o cultivo desses comportamentos, que também podem ser independentes das melhores consequências.

Mas porque deontologia e ética das virtudes são ruins comparadas à teoria consequencialista?

Eu sei que embora ambas as abordagens possam parecer dissociadas das consequências, elas não ignoram completamente os efeitos das escolhas. A diferença está na prioridade e na forma como as consequências são levadas em conta, mas penso que a prioridade influencia bastante no cenário que buscamos.

Além disso, sem um cálculo de consequências não é possível determinar as melhores regras nem as melhores virtudes. E quem poderia calcular melhor as consequências? Quem dá prioridades à elas! Ou seja, dissociado das consequências como prioridade, é arbitrário colocar regras, leis, virtudes, caráters, comportamentos sem mensurar o melhor impacto dessas coisas para todos que podem ser afetados por elas. Partir de uma regra ou virtude por si só decretando que ela é boa sem calcular da melhor maneira possível e o quanto ela prejudica ou melhora a vida dos indivíduos (quanto evita sofrimento ou quanto aumenta o bem-estar) é insustentável.

A dor e prazer são experiências fundamentais para discutirmos ética. Dessa forma, o critério da senciência deve sempre estar em jogo, isso porque todos seres que experimentam sofrimento provam que ele é ruim em si e que experimentam prazer sabem que ele é bom em si. Defender consideração moral por objetos, coisas ou abstrações (exemplos de não senciência) em si mesmos — e não de forma instrumental — é uma coisa que muitos adoram fazer, mas não têm qualquer sentido ou relevância.

Se não calcularmos rigorosamente as consequências das escolhas estamos discutindo gostos pessoais e não o melhor cenário possível para todos. Claro, para fazermos as melhores escolhas e buscarmos as melhores consequências também precisamos calcular bem, e para fazermos isso é preciso o uso da razão (assim também chegamos a princípios como imparcialidade, universalidade, igual consideração e relevância). Assumir regras e virtudes de antemão pode ser bastante irracional (mesmo que se pretenda ser racional), devido a intuições e viéses que temos. Claro, devemos cultivar regras e virtudes, mas apenas na medida em que elas trazem as melhores consequências, e isso deve ser calculado.

Um deontologista ou virtudista poderia me perguntar então se eu não acho que matar é errado ou cultivar o cuidado com outros é bom. Eu respondo: causar sofrimento e matar é errado quando traz piores consequências e certo quando traz melhores consequências, o difícil é calcular essas consequências de forma ampla, mas isso não prova que a prioridade em consequências são erradas. O mesmo vale para o cuidado (a empatia ou a compaixão), cuidar dos outros será bom se trouxer um cenário com melhores consequências, o que pode ser verdade em boa parte dos casos, mas supondo que haja casos em que não cuidar seja melhor, deveríamos então não cuidar. Claro, podemos identificar tendências melhores, mas para isso é preciso mensurar sempre os impactos, e voltamos ao consequencialismo.

A grande questão então não é o ponto de partida, e sim, descobrir matematicamente as regras e virtudes mais benéficas, agregando-as ao consequencialismo. Para mim, parece que não há força em defender regras em si ou virtudes em si, pois ambas falham quando não calculam as consequências de maneira mais objetiva. O melhor mundo possível é aquele em que os indivíduos podem desfrutar suas existências com mais prazer e felicidade e com menos dor e sofrimento, não aqueles que seguem mais regras ou que são mais virtuosos — se isso causar cenários piores. Ou seja, nada adianta uma regra ou virtude se ela não melhora a realidade para aqueles que têm experiências.

Para provar que está correto um deontologista ou um virtudista precisaria responder como determinar uma melhor regra ou virtude:

  • Uma boa regra é uma regra que ___________.
  • Uma boa virtude é uma virtude que ___________.

É possível que ele só consiga responder isso adequadamente se colocar consequências em jogo. Algo como: uma boa regra ou virtude é aquela que traz (ou tem uma tendência forte a trazer) as melhores consequências para aqueles que são afetados.

Mesmo que o consequencialismo for decretado como uma perspectiva ética mais forte, ainda assim precisaríamos discutir as melhores metas, que são diferentes nas diferentes teorias éticas consequencialistas (como por exemplo, Utilitarismo, Prioritarismo e Igualitarismo. Ou seja, dentro do consequencialismo, há debates sobre quais dessas metas devem serem perseguidas, tendo prós e contras ao defender cada uma delas. Assim, as diferentes abordagens baseadas nas consequências destacam a complexidade de definir as melhores metas e para isso há uma necessidade contínua de reflexão e debate para tomarmos decisões morais de forma mais adequada.

Claro, não é fácil decidir entre diferentes correntes do consequencialismo, mas decidir o ponto de partida me parece bem simples: até então, o consequencialismo é a perspectiva ética mais forte e é por isso que eu sou consequencialista. Também por isso digo que regras e virtudes devem ser avaliadas com base em seu impacto sobre o sofrimento, bem-estar e a felicidade de todos os seres sencientes, sem fugir da busca pelas melhores consequências.

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